O XADREZ E A EDUCAÇÃO:
EXPERIÊNCIAS DE ENSINO ENXADRÍSTICO
Antonio Villar Marques de Sá
Universidade de Brasília - Faculdade de Educação
O lúdico no campo educacional
A importância do jogo para o desenvolvimento humano tem sido objeto de estudo das mais diferentes abordagens. A atividade lúdica foi enfocada sob o ponto de vista filosófico (Pascal, Alain, Henriot, Schopenhauer, Nietzsche, Bataille, Sartre), sociológico (Huizinga, Hirn, Caillois), psicanalítico (S. Freud, A. Freud, Klein, Winnicott, Charles-Nicolas, Enriquez), psicológico (Groos, Claparède, Chateau, Piaget, Vigotsky) e pedagógico (Rousseau, Pestalozzi, Frobel, Montessori, Decroly, Freinet, Michelet). As teorias elaboradas até o presente momento enfatizam elementos diferentes, o que as tornam úteis para a análise de determinados aspectos particulares do fenômeno lúdico. Não existe, portanto, uma teoria universalmente aceita sobre ele.
Por outro lado, verifica-se um movimento crescente visando a introdução do lúdico em todos os níveis de ensino, pretendendo-se expandí-lo para além das classes pré-escolares. Não obstante, nenhuma transformação em profundidade foi absorvida no plano curricular, sendo que o debate em torno das vantagens e desvantagens desta evolução faz parte de uma discussão mais ampla sobre o modo de compreender a natureza do processo educacional (UNESCO, 1986).
Em suma, ao que tudo indica, a implementação da aprendizagem lúdica no ensino depende da superação do paradoxo que consiste em adotar o jogo - uma atividade voluntária, cuja finalidada está voltada para os interesses e necessidades individuais - para mediar uma tarefa concebida no sentido de atingir objetivos acadêmicos externamente estabelecidos.
O valor educativo do xadrez
Na Suíça, o xadrez é utilizado no ensino para desenvolver várias qualidades, dentre as quais (PARTOS, 1978): atenção, concentração, raciocínio lógico-matemático, julgamento, planejamento, imaginação, antecipação, autocontrole, perseverança, espírito de decisão.
Em uma partida de xadrez, os jogadores efetuam etapas básicas do raciocínio (DE GROOT, 1978): fazer um plano, agrupar as alternativas, aprofundar progressivamente a investigação, estipular a ordem de investigação, escolher e tomar a decisão.
De acordo com vários autores, a atividade enxadrística contribui ainda para o desenvolvimento de muitas capacidades, a saber: criatividade (TIKHOMIROV, 1970), memória (GOLDIN, 1979), cálculo (GOLOMBEK, 1980) e inteligência geral (ROOS, 1984).
Mas, o principal mérito da aprendizagem enxadrística, desde que adotada ludicamente, repousa no fato de permitir que cada aluno possa progredir seguindo seu próprio ritmo e, assim, atender a um dos objetivos primordiais da educação moderna.
Diversos trabalhos demonstram que o xadrez pode constituir atividade indicada para um trabalho junto a uma população apresentando dificuldade de adaptação social.
Ao ser incluído em classes de baixo rendimento escolar, ele funciona como um suporte pedagógico para que os alunos alcancem a autoestima essencial para qualquer processo educativo.
Em vista do fator motivacional subjacente ao ato de jogar xadrez, é possivel favorecer o interesse e a habilidade necessários para o bom desempenho em outras matérias. Aliás, o xadrez tem se mostrado um excelente instrumento para o acompanhamento do desenvolvimento cognitivo.
Isto é particularmente notável no que tange ao ensino de matemática, pois auxilia a aprendizagem de (DEXTREIT, 1981):
- aritmética: com a ajuda das noções de troca e valor comparado das peças e de controle das casas.
- álgebra: graças à representação gráfica do tabuleiro e ao cálculo do índice de performance dos jogadores que pode ser assimilado a um sistema de equações com "n" incógnitas.
- geometria: o movimento das peças introduz às nocões de vertical, horizontal, diagonal.
As aplicações do xadrez na área da matemática são bastante vastas e não necessariamente de nível elementar, pois, entre outras, elas concernem (ENGEL, 1978): análise combinatória, cálculo de probabilidades, estatística, informática, teoria dos jogos de estratégia.
Do ponto de vista heurístico, um problema de xadrez pode ser concebido como um problema de matemática (PUSCHKIN, 1967). Tanto que matemáticos como Gauss e Euler interessaram-se, respectivamente pela colocação de oito damas no tabuleiro e pelo percurso do cavalo sobre as 64 casas do tabuleiro.
Por tudo isto, constata-se que a atividade enxadrística é útil para a educaçao matemática na medida em que oferece múltiplas possibilidades no campo da resolução de problemas (FERNANDEZ, 1991), além de intermediar para o indivíduo a construção de sua própria matemática, situando-se assim, entre as abordagens atuais da educação em geral.
A utilização pedagógica do xadrez
Em 1993, realizou-se em Curitiba, Paraná, o "Primeiro Seminário Internacional de Xadrez nas Escolas" contando com o apoio do Ministério da Educação e do Desporto (MEC). Participaram 15 conferencistas de dez nações: Argentina, Brasil, Colômbia, Cuba, Filipinas, França, Grécia, Itália, Portugal e Venezuela.
Atualmente, de acordo com o levantamento efetuado, o ensino oficial do xadrez escolar está instituído em cerca de 45 países.
Na Alemanha, os primeiros esforços voltados para a introdução do xadrez nas escolas datam do século XIX. Em 1985, a Universidade Schiller de Jena criou um curso facultativo com duração de um ano. Os diplomados podem em seguida dirigir os clubes escolares de xadrez.
Na Argentina, os 18.000 alunos cursando as 4ª, 5ª e 6ª séries do Estado de Santa Fé recebem um ensino obrigatório de xadrez, sancionado por decreto-lei.
No Canadá, o Ministério da Educação aprovou, em 1984, o programa "Defi-mathématique", composto por seis projetos, dentre os quais "Échecs et Maths". Desta maneira, o xadrez encontra-se integrado ao programa de matemática, no qual uma hora semanal é reservada para o ensino e prática deste esporte. Mais de 45.000 alunos são beneficiados por esta iniciativa.
Um "Plan Masivo de Enseñanza del Ajedrez en las Escuelas Primarias" de Cuba, fruto do trabalho conjunto do Instituto Nacional de Desportos, Educação Física e Recreação (INDER) e do Ministério da Educação (MINED), foi difundido para os 450.000 alunos da 2ª à 6ª séries.
A "American Chess Foundation", dos Estados Unidos, estipulou como uma de suas metas a introdução do xadrez na escola e, para tanto, vem traduzindo todos os trabalhos que possam subsidiá-la. Todavia, o "National Institut of Education" opõe uma forte resistência a esta proposta privilegiando os métodos tradicionais. Mas, em razão da descentralização do ensino americano diferentes experiências têm sido levadas adiante.
A partir de 1975, a Universidade Louis Pasteur propõe aos alunos um ensino sobre os aspectos culturais, científicos e técnicos do xadrez. Desde 1976, o Ministério da Educação da França apóia sua utilização pedagógica nas escolas, atendendo, assim, mais de 200.000 estudantes do pré-primário à universidade.
Uma resolução do Ministério da Educação da Holanda, autorizando a inclusão do xadrez como esporte escolar no currículo de 1º grau durante meia hora semanal, atinge atualmente cerca de 300.000 estudantes.
A Universidade Técnica de Budapeste, Hungria, organiza cursos de xadrez a partir de 1987.
Desde 1943, uma Associação para o Ensino de Xadrez está instalada em Londres. Na Inglaterra , o xadrez é ensinado na escola, fora do horário de aula, o que o caracteriza como uma atividade desenvolvida em meio periescolar, isto é, inserindo-se no espaço institucional, mas não integrando o currículo.
Na Rússia, em 1966, foi criada a Faculdade de Xadrez no Instituto Central de Educação Física de Moscou. Após quatro anos de estudos sobre a teoria, a pedagogia e a psicologia do xadrez e do esporte, os estudantes tornam-se professores no secundário.
No Brasil, a primeira iniciativa em favor do ensino e da prática do xadrez escolar data de 1935. De lá para cá, tais experiências multiplicaram-se e diversificaram-se. O quadro atual indica que o xadrez vem sendo gradativamente admitido no campo da educação , predominando como atividade periescolar. Recentemente, em prol da difusão do xadrez nas escolas, o MEC publicou uma cartilha distribuida gratuitamente em cerca de 1.500 municípios do país (VILLAR, 1993).
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